Para que um encontro aconteça ...

Imagem retirada da net

«O encontro entre elas não foi nem agradável nem desagradável. Simplesmente não existiu.
Para que um encontro aconteça, duas pessoas têm de reunir-se num mesmo lugar e num mesmo espaço. E nenhuma das duas morava na mesma casa. Isabel continuava a viver em Espanha, Citlali em Tenochitlan. Se não havia forma de se dar o encontro, muito menos a comunicação. Nenhuma das duas falava a mesma língua. Nenhuma das duas se reconhecia nos olhos da outra. Nenhuma das duas trazia as mesmas paisagens no olhar. Nenhuma das duas percebia as palavras que a outra pronunciava. E não era uma questão de entendimento. Era uma questão do coração. É aí que as palavras adquirem o seu verdadeiro significado. E o coração de ambas estava fechado.
Por exemplo, para Isabel, Tlatelolco era um lugar sujo e cheio de índios, onde tinha forçosamente de ir abastecer-se e onde dificilmente encontraria açafrão e azeite. Em compensação, para Citlali, Tlatelolco era o lugar que mais gostava de visitar quando era menina. Não só porque lá se podia gozar de todo o tipo de cheiros, cores e sabores mas também porque podia saborear um espectáculo de rua surpreendente: um senhor, a quem todas as crianças chamavam Teo, mas cujo verdadeiro nome era Teocuicani (cantor divino), que costumava fazer dançar na palma da mão deuses de barro articulados. Os deuses falavam, lutavam e cantavam com voz de búzio, cascavel, pássaro, chuva ou trovão, emitida pelas prodigiosas cordas vocais deste homem. Não havia vez que Citlali ouvisse a palavra Tlatelolco que não lhe viessem à mente aquelas imagens, e não havia vez nenhuma que pronunciasse a palavra Espanha que uma cortina de indiferença não lhe cobrisse a alma. Precisamente ao contrário de Isabel, para quem a Espanha era o lugar mais belo do mundo e mais rico em significados. Era a verde erva onde se deitara uma infinidade de vezes a observar o céu, a brisa do mar que deslocava as nuvens até as lançar contra os altos cumes das montanhas. Era a brisa, o vinho, a música, os cavalos selvagens, o pão recém-tirado do forno, os lençóis estendidos ao sol, a solidão da planície, o silêncio. E foi nessa solidão e nesse silêncio, que se tornava mais profundo pelo barulho das ondas e das cigarras, que Isabel imaginou milhares de vezes Rodrigo, o seu amor ideal. A Espanha era o sol, o calor, o amor. Para Citlali, a Espanha era o lugar onde Rodrigo aprendera a matar.
A enorme diferença de significados enraizava na enorme diferença de experiências. Isabel tivera de viver em Tenochtitlan para saber o que quer dizer ahuehuetl. Para saber o que se sentia quando se descansava à sua sombra depois de ter realizado uma cerimónia em sua honra. Citlali teria de ter nascido em Espanha para saber o que significa mordiscar lentamente uma azeitona, sentada à sombra duma oliveira enquanto observava os rebanhos a pastar na pradaria. Isabel teria de ter crescido com uma tortilla na mão para que não a incomodasse o seu "húmido" odor. Citlali teria de ter sido amamentada sob os aromas do pão acabado de sair do forno para encontrar gosto no seu sabor.»

Laura ESQUIVEL, A Lei do Amor, 5ª edição, Porto,ed. Asa, 1998, pp. 22-23


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